“Viemos de lugares, regiões, povoados distintos, para celebrar a presença viva de Deus entre nós”, disse Francisco na missa celebrada na Praça Cristo Redentor, que marcou também a abertura do V Congresso Eucarístico Nacional da Bolívia, nesta quinta-feira, 9.
O papa reconheceu o esforço dos fiéis
em participar da missa para ouvir a Palavra de Deus e se disse comovido
ao ver as mães que carregam seus filhos nas costas. “Carregais sobre vós
a memória do vosso povo. Porque o povo tem memória, uma memória que
passa de geração em geração”, afirmou.
Em sua homilia, Francisco falou sobre
como “Jesus consegue transformar a lógica do descarte numa lógica de
comunhão, de comunidade."
Confira a íntegra da homilia:
Viemos de lugares, regiões, povoados
distintos, para celebrar a presença viva de Deus entre nós. Há horas que
saímos de nossas casas e comunidades, para podermos estar juntos como
Povo Santo de Deus. A cruz e a imagem da missão trazem-nos à memória
todas as comunidades que nasceram sob o nome de Jesus nestas terras e
das quais somos herdeiros.
No Evangelho que acabámos de ouvir,
descrevia-se uma situação muito semelhante à que estamos a viver agora.
Como aquelas quatro mil pessoas, também nós estamos desejosos de ouvir a
Palavra de Jesus e receber a sua vida. Eles ontem e nós hoje, ao pé do
Mestre, Pão de vida.
Nestes dias, pude ver muitas mães que
carregavam seus filhos às costas, como aliás muitas de vós o fazem aqui.
Carregando sobre si a vida, o futuro do seu povo. Carregando os motivos
da sua alegria, as suas esperanças. Carregando a bênção da terra nos
frutos. Carregando o trabalho feito com as suas mãos. Mãos, que moldaram
o presente e tecerão os sonhos do amanhã. Mas carregando também sobre
os seus ombros decepções, tristezas e amarguras, a injustiça que parece
não ter fim e as cicatrizes duma justiça não realizada. Carregando sobre
si mesmas a alegria e a dor duma terra. Carregais sobre vós a memória
do vosso povo. Porque os povos têm memória, uma memória que passa de
geração em geração, uma memória em caminho.
E não são poucas as vezes que
experimentamos o cansaço deste caminho. Não são poucas as vezes que nos
faltam as forças para manter viva a esperança. Quantas vezes vivemos
situações que pretendem anestesiar-nos a memória e, deste modo,
debilita-se a esperança e, pouco a pouco, perdem-se os motivos de
alegria. E começa a apoderar-se de nós uma tristeza que nos torna
individualistas, que nos faz perder a memória de povo amado, de povo
escolhido. E esta perda desagrega-nos, faz com que nos fechemos aos
outros, especialmente aos mais pobres.
Pode suceder a nós o mesmo que aos
discípulos de ontem, quando viram a quantidade de pessoas que estava lá.
Pedem a Jesus que a mande embora, já que é impossível alimentar tanta
gente. Perante muitas situações de fome no mundo, podemos dizer: «Os
números não batem certo; não podemos resolver a conta». É impossível
enfrentar estas situações; então o desespero acaba por apoderar-se do
coração.
Num coração desesperado, é muito fácil
ganhar espaço a lógica que pretende impor-se no mundo de hoje. Uma
lógica que procura transformar tudo em objecto de troca, de consumo: vê
tudo negociável. Uma lógica que pretende deixar espaço para muito
poucos, descartando todos aqueles que não «produzem», que não são
considerados aptos ou dignos porque, aparentemente, «os números não
batem certo». Jesus retoma a palava para nos dizer: Não é necessário
irem embora; dai-lhes vós mesmos de comer.
É um convite que hoje ressoa fortemente
para nós: «Não é necessário mandar ninguém embora, basta de descartes;
dai-lhes vós mesmos de comer». Jesus continua a dizer-nos nesta praça:
Sim, basta de descartes; dai-lhes vós mesmos de comer. O olhar de Jesus
não aceita uma lógica, uma perspectiva que sempre «corta o fio» pelo
ponto mais frágil, mais necessitado. Tomando «o pedaço», Ele mesmo nos
dá o exemplo, nos mostra o caminho. Uma atitude em três palavras: toma
um pouco de pão e alguns peixes, bendiz a Deus por eles, divide-os e
entrega para que os discípulos os partilhem com os outros. Este é o
caminho do milagre. Por certo, não é magia nem idolatria. Por meio
destas três acções, Jesus consegue transformar a lógica do descarte numa
lógica de comunhão, de comunidade. Gostaria de destacar brevemente cada
uma destas acções.
Toma. O ponto de partida é tomar muito a
sério a vida dos seus. Fixa-os nos olhos e, nestes, conhece a sua vida,
os seus sentimentos. Vê, naquele olhar, o que pulsa e o que deixou de
pulsar na memória e no coração do seu povo. Considera-o e valoriza-o.
Valoriza todo o bem que possam oferecer, todo o bem a partir do qual se
possa construir. Mas não fala dos objectos, dos bens culturais ou das
ideias; fala das pessoas. A riqueza maior duma sociedade mede-se na vida
do seu povo, mede-se nos idosos que conseguem transmitir aos mais novos
a sua sabedoria e a memória do seu povo. Jesus nunca ignora a dignidade
de pessoa alguma, por maior que seja a aparência de não ter nada para
oferecer ou partilhar.
Bendiz. Jesus toma em suas mãos o dom, e
bendiz o Pai que está nos céus. Sabe que estes dons são um presente de
Deus. Por isso, não os trata como «uma coisa qualquer», dado que toda
esta vida é fruto do amor misericordioso. Ele reconhece-o. Vai além da
simples aparência e, neste gesto de bendizer, de louvar, pede a seu Pai o
dom do Espírito Santo. Aquele acto de bendizer tem esta dupla
perspectiva: por um lado, agradecer e, por outro, transformar. É
reconhecer que a vida é sempre um dom, um presente que, colocado nas
mãos de Deus, adquire uma força de multiplicação. O nosso Pai não nos
tira nada, multiplica tudo.
Entrega. Em Jesus, não existe um tomar
que não seja bênção, nem uma bênção que não seja entrega. A bênção é
sempre missão, tem um destino: repartir, partilhar o que se recebeu, uma
vez que só na entrega, no com-partilhar é que as pessoas encontram a
fonte da alegria e a experiência da salvação. Uma entrega que quer
reconstruir a memória de povo santo, de povo convidado, chamado a ser
portador da alegria da salvação. As mãos, que Jesus ergue para bendizer o
Deus do céu, são as mesmas que distribuem o pão à multidão que tem
fome. Podemos imaginar como os pães e os peixes iam passando de mão em
mão até chegar aos mais afastados. Jesus consegue gerar uma corrente
entre os seus: todos estavam compartilhando o seu, transformando-o em
dom para os outros, e foi assim que comeram até ficarem saciados. E,
incrivelmente, sobrou: recolheram sete cestos de sobras. Uma memória
tomada, abençoada e entregue sempre sacia um povo.
A Eucaristia é «Pão repartido para a
vida do mundo», como diz o lema do V Congresso Eucarístico que hoje
inauguramos e vai realizar-se em Tarija. É sacramento de comunhão, que
nos faz sair do individualismo para vivermos juntos o seguimento de
Jesus e nos dá a certeza de que aquilo que temos e somos, se tomado,
abençoado e entregue, pelo poder de Deus, pelo poder do seu amor,
transforma-se em pão de vida para os outros.
A Igreja é uma comunidade memoriosa. Por
isso, fiel ao mandato do Senhor, repete incansavelmente: «Fazei isto em
memória de Mim» (Lc 22, 19). Geração após geração actualiza, nos
distintos cantos da nossa terra, o mistério do Pão da Vida. No-lo faz
presente e entrega. Jesus quer que participemos desta sua vida e, por
nosso intermédio, se vá multiplicando na nossa sociedade. Não somos
pessoas isoladas, separadas, mas o Povo da memória actualizada e sempre
entregue.
Uma vida memoriosa precisa dos outros,
do intercâmbio, do encontro, duma solidariedade real que seja capaz de
entrar na lógica do tomar, bendizer e entregar; na lógica do amor.
Maria, que, de forma igual a muitas de
vós, carregou sobre si a memória do seu povo, a vida do seu Filho, e
experimentou em Si própria a grandeza de Deus, proclamando com alegria
que Ele «encheu de bens os famintos» (Lc 1, 53), seja hoje o nosso
exemplo para confiarmos na bondade do Senhor, que faz obras grandes com a
humildade dos seus servos.
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